domingo, 7 de outubro de 2007

Premeditação

nunca quis céu
apenas um pouco de fel
do fígado de prometeu

(o ambiente é uma biblioteca onde
larvas arranham livros
e traças e ratos e
merda de barata
e um poeta
portador de várius-vírus
mortais da palavra indeletável
pesca versos sem anzol)

nunca quis céu
apenas um pouco de fel
do fígado de prometeu

(o carro não desce a rampa
nesta imagem precisa
e infatigável e intangível e mágica
e o poeta nem é trem
desgovernado na serra
da palavra indeletável
pesca versos sem anzol)

nunca quis céu
apenas um pouco de fel
do fígado de prometeu

(do alto a chama do sol
é mais fria e as aves
de malagouro gostam
do amargo que escorre farto
pelo ventre liso da fonte inesgotável
da palavra indeletável
do fígado de prometeu)

palavras difíceis



1 .

fácil porque é comum
mas minha urgência são as
difíceis
incomunicáveis urgências
discando help me
palavras
verbos cheios de
sujeitos


2 .

à crueldade
dos pronomes
pessoais
oblíqua
pabulagem
quaderna
de uma
vogal


3 .

restauro
unidade mínima
com som e signi
ficado que pode,
sozinha, constituir
enunciado; forma
livre


4 .

quando é
preciso
apenas
sentimento
(quando refe
rimos um verbo
como amar, temos em
mente não apenas
o infinitivo, tomado
aí como forma de citação,
mas todas as demais formas
da conjugação)


5.

: uno:
não sou
só eu
mas
estou

- abstraídas
as diferentes
realizações
(marcas flexionais)
que possa apresentar -
plastada por sobre
o plasma
a aura
da palavra


6.

difícil impedir
adrenalina
feromônios
cetona esteroidal
hidroxilada
[fórm.: C19H28O2] =
testosterona
porra!



7 .

impossível palavra
para o poema
que precisa
mais que palavra
para ser
poesia

Ao despertar dos signos

Será necessária a queda do sol
Marte explodindo sobre nova york
Chuva de pedras da lua

Serão necessários mares fervendo
O gelo dos árticos encobrindo céus
Esfoliação da pele dos ritos

Será necessário o sangue nas gruas
A merda espalhada nos condomínios
A praga de mil bestas rugindo

Será necessário plastificar o dia
A unanimidade do grito no escuro
Queimar as florestas nos meses pares

Serão necessárias moendas de carne
Gases venenosos na superfície
Baixar a cognição ao zero

Será necessária a acidez dos planos
Satanizar deuses e gênios
Tornar cinza todo amarelo

Será necessário uivar novamente
Estriquinina jogada na fonte
Sacrificar todo ente in vitro

Será necessário copiar os ossos
Desfragmentar portas e janelas
Ferir a noite permanentemente

Será necessária a massa dos muros
O inferno que faz suar muitos sonhos
Acumular dejetos na mesa

Será necessário inventar tantos mitos
Comer a alma atirada na lida
A filosofia do ouro e do sal

Serão necessários caminhos tortos
Pedra na fronte e no sapato
Transpor palavras com sub-escrituras

Serão necessárias as dores alheias
Ouvir o ruído da fome e da sede
Incendiar cidades e
aldeias

Serão necessários alguns anos ainda
O sangue vulcânico nas veias
Engravidar a mulher do próximo


Será necessário um punhal no pescoço
Mais de três bailarinas nuas
Fumar raiz de jurema

é hora de acordar

é hora de acordar

inverno terá sido
um lugar de amanhecer

é hora de acordar

nós que estamos vivos
de outra morte, não a nossa

é hora de acordar

pasto
e repasto desta proverbial
aurora

é hora de acordar

dactilóide
as torres que ruíram
um belo dia

é hora de acordar

enquanto o ar ainda mal
se respira

é hora de acordar

ninguém assegura
a segunda quadratura

é tarde demais



é tarde demais
o filho do homem
incendiou
a lira

é tarde demais
tânagras sangram
vexando
em vênus

é tarde demais
quatuórviro qual
pústula
na vida

é tarde demais
pouqüidade podre
modorra
nos resta

é tarde demais
a mofa ainda goga
o ícone
do tolo

é tarde demais
os deuses estiarão
voltando
pra casa

é tarde damais
o mar ignorado
dois ágios
encava

é tarde demais
labaredas de sal
derretem
a chama

é tarde demais
o cão ladra, late
o cãozinho
cainha

é tarde demais
o homem novo
semelhante
ao pai